A proposta de anistiar os envolvidos nos atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas em Brasília, reacende debates intensos no Congresso Nacional. Setores conservadores defendem a medida como uma resposta a supostas injustiças, enquanto a oposição a vê como um retrocesso democrático e uma tentativa de reescrever a história recente do país.

Raízes históricas da anistia no Brasil
Durante o regime militar (1964–1985), a anistia foi uma das principais bandeiras da oposição, especialmente da esquerda. A mobilização por uma “anistia ampla, geral e irrestrita” visava permitir o retorno de exilados políticos e a libertação de presos por motivos ideológicos. Em 1979, sob o governo do general João Baptista Figueiredo, a Lei da Anistia foi sancionada, beneficiando opositores do regime.
Entre 1968 e 1972, o Brasil vivenciou um dos períodos mais intensos de resistência armada contra a ditadura militar. Diversos grupos de esquerda, inspirados por revoluções como a Cubana e a Chinesa, optaram pela luta armada como forma de enfrentar o regime autoritário. Organizações como a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) destacaram-se nesse cenário. Embora almejassem iniciar a guerrilha rural, essas organizações se notabilizaram por suas ações urbanas, consideradas atos de propaganda armada da revolução. Essas ações incluíam assaltos a bancos, roubos de armamentos e sequestros de diplomatas, visando arrecadar fundos e sustentar a infraestrutura clandestina dessas organizações.
Um dos episódios mais emblemáticos foi o sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, em 1969, realizado pela ALN e pelo MR-8. A ação visava a troca do diplomata por presos políticos e teve grande repercussão internacional. O embaixador foi libertado após 78 horas em troca da libertação de 15 presos políticos, que foram exilados no México.
O governo militar intensificou a repressão, utilizando-se de espionagem, coleta de informações e tortura para desarticular os grupos armados. Apesar do isolamento crescente e da repressão, o PCdoB conseguiu estabelecer uma guerrilha rural na região do Araguaia, abrangendo áreas dos atuais estados do Pará, Tocantins e Maranhão. A Guerrilha do Araguaia, iniciada no final da década de 1960, visava fomentar uma revolução socialista no campo, baseada nas experiências da Revolução Cubana e Chinesa. No entanto, entre 1972 e 1974, as Forças Armadas lançaram operações militares que resultaram na morte ou desaparecimento de grande parte dos guerrilheiros. Estima-se que mais de cinquenta combatentes ainda são considerados desaparecidos políticos.
A nova face da anistia: o caso dos atos de 8 de janeiro
Atualmente, a anistia é reivindicada por parlamentares conservadores como forma de perdoar os envolvidos nos ataques às instituições democráticas ocorridos em janeiro de 2023. Na Câmara dos Deputados, pelo menos seis projetos de lei com esse objetivo tramitam na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator, deputado Rodrigo Valadares (União-SE), propõe anistiar todos os participantes das manifestações, incluindo financiadores e apoiadores nas redes sociais.
A presidente da CCJ, deputada Caroline de Toni (PL-SC), pautou a votação da proposta, mas a análise foi adiada devido a manobras regimentais e falta de consenso.
Debate político e implicações jurídicas
Parlamentares de esquerda, beneficiada na anistia de 1979, argumentam que os atos de 8 de janeiro configuram tentativa de golpe de Estado e que conceder anistia seria um retrocesso democrático. O relator Valadares defende que os manifestantes foram “inflamados por sentimento de injustiça” após as eleições de 2022 e que suas ações resultaram de um “efeito manada”, sem liderança ou apoio militar.
A Constituição Federal do Brasil prevê a possibilidade de anistia. O artigo 5º, inciso XLIII, determina que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Além disso, o artigo 21, inciso XVII, atribui à União a competência para conceder anistia, e o Congresso Nacional pode aprovar leis nesse sentido.
O debate sobre a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 evidencia as profundas divisões políticas e ideológicas no Brasil contemporâneo. Enquanto alguns veem a medida como uma forma de reconciliação e justiça, outros a consideram uma ameaça à democracia e ao Estado de Direito. A comparação com o período da ditadura militar destaca as incoerências e os desafios de lidar com o passado e o presente político