Durante a sessão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 22 de abril, o ministro Alexandre de Moraes lançou uma provocação retórica ao questionar: “Se invadissem sua casa, você pediria anistia?”. A frase foi dita no contexto da análise de denúncias contra o chamado “Núcleo 2” dos acusados pela tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
A analogia usada por Moraes, embora de efeito dramático, ignora um aspecto essencial do debate público: no Brasil, os invasores de propriedade privada raramente enfrentam punições — a exemplo do líder do MTST, Guilherme Boulos, que comandou diversas ocupações de imóveis e nunca foi preso por isso. A seletividade na aplicação da lei é uma realidade incontornável. A justiça, para ser legítima, deve ser coerente, previsível e impessoal.
Aliás, ao utilizar a imagem de uma invasão de domicílio pessoal para sustentar uma decisão do Supremo, o próprio ministro contraria um dos princípios basilares da administração pública: a impessoalidade. Se alguém invadisse a casa de um juiz, esse juiz não poderia julgar o caso, sob pena de suspeição. Como então aceitar que o Supremo julgue, com aparente carga emocional e retórica inflamável, os acusados de invadirem a sede da Corte?
Além disso, é preciso recordar que o STF não é a democracia. O Supremo é — e deve continuar sendo — uma instituição da democracia, com atribuições bem delimitadas pela Constituição. Quando um de seus ministros se apresenta como o “bastião da democracia”, há o risco de confundir a proteção da ordem institucional com a centralização da autoridade democrática.
A democracia se fortalece pela pluralidade de instituições, pelo respeito às leis e à Constituição, e pela vigilância permanente contra abusos — inclusive de seus guardiões. A gravidade dos atos de 8 de janeiro é inegável. Os responsáveis devem ser punidos com rigor, mas dentro dos limites da legalidade, da isenção e do devido processo legal.
A retórica moralista de “invasores de casas” pode agradar manchetes e discursos inflamados, mas não deve substituir o compromisso com a imparcialidade e com o equilíbrio institucional. O combate ao extremismo não pode se tornar um convite ao autoritarismo de toga. É preciso lembrar que, no regime democrático, não há justiça quando há exceção.