A solidão já é reconhecida como uma séria ameaça à saúde pública, com impactos que vão muito além do bem-estar emocional. Além de estar associada ao aumento do risco de doenças cardíacas, AVC, ansiedade, depressão, hipertensão, obesidade e diabetes, a solidão pode elevar em até 40% a probabilidade de desenvolvimento de demência. A constatação vem de um estudo recente publicado no periódico The Journals of Gerontology, que acompanhou mais de 12 mil participantes ao longo de 10 anos.
O estudo também revelou que, em relação especificamente ao Alzheimer, o risco é mais do que dobrado entre pessoas que vivem isoladas. A pesquisa reforça um alerta importante: manter vínculos sociais sólidos pode ser uma poderosa ferramenta de proteção contra o declínio cognitivo.
O neurologista Rodrigo Schultz, ex-presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), explica que a solidão crônica provoca neuroinflamação e altera a química cerebral, afetando a cognição. “O estresse prolongado ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical, elevando os níveis de cortisol, o que pode prejudicar o hipocampo, estrutura essencial para a memória e frequentemente atingida pela doença de Alzheimer”, afirma.
Durante a pandemia de Covid-19, o problema se agravou. Idosos, principais vítimas do isolamento, sofreram perdas sociais significativas. A geriatra Carla Borges, ex-presidente da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica (ABNPG), destaca que aposentadoria, perda de mobilidade e luto tornam essa população ainda mais vulnerável ao isolamento. “A tecnologia ajudou durante a pandemia, mas agora é preciso resgatar as redes de apoio presencial”, afirma.
O impacto também atinge cuidadores: no Reino Unido, 80% relatam solidão ou isolamento devido à carga de cuidar de pessoas com demência. Douglas Moraes, que cuidou de um familiar com Alzheimer, relata: “A solidão do cuidador é imposta. Sem apoio, nos sentimos paralisados.”
Especialistas defendem que a luta contra a solidão precisa integrar políticas públicas, como a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, em tramitação no Brasil. Schultz sugere medidas práticas: incentivar contatos diários com familiares e amigos, promover atividades em grupo, criar redes de apoio lideradas por profissionais de saúde e estimular o voluntariado.
Iniciativas como o projeto “Tempo de Encontro Em Solidão”, da agência Impacthal, e campanhas da ABRAz, também têm buscado sensibilizar a sociedade para o impacto da solidão na saúde mental e física dos idosos. Em 2024, o XII Congresso Brasileiro de Alzheimer abordou pela primeira vez o tema “Solidão e Demência”, evidenciando a necessidade urgente de ações efetivas.
Entenda como a solidão afeta o cérebro
O sentimento de solidão ativa regiões do cérebro como o córtex orbitofrontal e pré-frontal, aumentando a resposta ao estresse e liberando cortisol em excesso. Essa cascata prejudica o hipocampo e provoca alterações na substância branca do cérebro, impactando diretamente a memória e a função executiva — bases da cognição saudável.
Como prevenir
Manter a mente ativa e o convívio social são estratégias fundamentais. Participar de aulas, palestras, atividades religiosas ou sociais, praticar exercícios físicos em grupo e conversar com o médico sobre sentimentos de isolamento podem reduzir o risco de solidão e suas graves consequências.